Obrigado Deus
Há 5 dias
acordei bemol tudo estava sustenido sol fazia só não fazia sentido
Paulo Leminski tinha mesmo razão! Citações, confabulações, indagações, conversa de boteco, psicologia de salão de beleza e uma pitada generosa de filosofia.
de tanto não fazer nada/acabo de ser culpado de tudo/esperanças, cheguei/tarde demais como uma lágrima/de tanto fazer tudo/parecer perfeito/você pode ficar louco/ou para todos os efeitos/suspeito/de ser verbo sem sujeito/pense um pouco/beba bastante/depois me conte direito [...]
(...)Ah, todo cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do caisE se repara de repente que se abriu um espaçoEntre o cais e o navio,Vem-me, não sei por que, uma angústia recente,Uma névoa de sentimentos de tristezaQue brilha ao sol das minhas angústias relvadasComo a primeira janela onde a madrugada bate,E me envolve como uma recoração duma outra pessoaQue fosse misteriosamente minha.(...)E, sem que nada se altere,Tudo se revela diverso.(...)Na minha imaginação ele está já perto e é visívelEm todaa extensão das linhas das suas vigias,E treme em mim, tudo, toda a carne e toda a pele,Por causa daquela criatura que nunca chega em nenhum barcoE eu vim esperar hoje ao cais, por um mandado oblíquo.(...)Escuto-te de aqui, agora , e desperto a qualquer coisa.Estremece o vento. Sobe a manhã. O calor abre.Sinto corarem-me as faces.Meus olhos conscientes dilatam-se.O êxtase em mim levanta-se, cresce, avança, (...)Apelo lançado ao meu sangueDum amor passado, não sei onde, que volveE ainda tem força par me atrair e puxar,Que ainda tem força par me fazer odiar esta vidaQue passo entre a impenetrabilidade física e psíquicaDa gente real com que vivo!(...)Ardo vermelho!(...)Perde-te, segue o teu destino e deixa-me...Eu quem sou para que chore e interrogue?Eu quem sou para que te fale e te ame?Eu quem sou para que me perturbe ver-te?Larga do cais, cresce o sol, ergue-se o ouro,Luzem os telhados dos edifícios do cais,Todo o lado de cá da cidade brilha...
Parte, deixa-me, torna-tePrimeiro o navio a meio do rio, destacado e nítido,Depois o navio a caminho da barra, pequeno e preto,Depois ponto vago no horizonte (ó minha angústia!),Ponto cada vez mais vago no horizonte...Nada depois, e só eu e a minha tristeza,E a grande cidade agora cheia de solE a hora real e nua como um cais já sem navios,E o giro lento do guindaste que como um compasso que gira,Traça um semicírculo de não sei que emoçãoNo silêncio comovido da minh'alma...Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)