terça-feira, 19 de agosto de 2008

Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset)


O amor é a coisa mais complicada do mundo. Tudo mundo acha que é simples, porém, não é. Também não existe fórmula matemática. Para viver o amor em sua forma mais perfeita é preciso, apenas, amar. O problema é que o amor não é uma via de mão única. Existe, na grande maioria das vezes, um relacionamento. As escalas de sentimentos entre pessoas que se amam é que são as responsáveis por complicar tudo (e tornar tudo divertido também). Não é possível quantificar, medir, imaginar o tamanho de um amor. Basta amar. As diferenças entre o que uma pessoa sente por outra, e vice-versa, é que dão o tom do relacionamento. Ou seja: o relacionamento perfeito só acontece quando as duas pessoas estão exatamente na mesma sintonia. Vamos lá, aceite, isso é muuuuuuito raro.

Se na vida real, viver o amor é lidar com extremos, no cinema não poderia ser muito diferente. Filmar o amor é trafegar entre o piegas e o grosseiro. Existem filmes fofinhos demais. Existem filmes que falam de amor com um certo rancor. E existem alguns poucos filmes que conseguem trafegar na linha fina que separa a perfeição da obviedade. É exatamente nesta linha fina que trafega o diretor Richard Linklater com Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset), pseudo continuação do fofo e cult Antes do Amanhecer (Before Sunrise, 1995).

Porém, para se falar de Antes do Pôr-do-Sol, é necessário voltar no tempo, lá pelos idos de 1995, antes que uma noite em Viena entrasse para a história de dois jovens: a francesa Céline (Julie Delpy) e o americano Jesse (Ethan Hawke). Naquela época, retratada com delicadeza em Antes do Amanhecer, Jesse estava curtindo férias na Europa, e, em um trem, conhece Céline. Os dois conversam, descem do trem para passear em Viena, passam a noite juntos e... acabam se apaixonando. Na hora de ir embora, marcam um novo encontro: seis meses depois, no mesmo local, eles voltariam a se ver. Eles nem trocam nomes, nem telefones. Jesse volta para os Estados Unidos, Céline volta para a França e... o filme acaba. Antes do Amanhecer é um típico filme adolescente, daquela fase em que todo mundo ama sem, ao certo, saber o que é o amor, porém, acreditando ser para sempre (e, na maioria das vezes, é). Registra o encontro de algo que, na verdade, não se encontra: é apenas o acaso pedindo uma chance para se transformar em realidade. Sua beleza reside no perfeito retrato da inocência juvenil e no carisma do casal Julie Delpy e Ethan Hawke. Antes do Amanhecer é uma pequena obra-prima sobre romance juvenil, em todos os seus detalhes.

Quando Richard Linklater anunciou o projeto Antes do Pôr-do-Sol, um receio surgiu. Como manter a beleza, a inocência e a verossimilhança da história original sem tender ao pastiche, a autocópia e a pieguice? Será que Linklater irá conseguir reeditar a aura de seu primeiro filme? Como vão se portar Ethan Hawke e Julie Delpy após tantos anos, tendo trabalhado em diversos outros projetos até retornar ao ponto original de suas trajetórias como Jesse e Céline? Um suspiro de leveza: Antes do Pôr-do-Sol é sóbrio, inteligente, honesto e, acredite, inocente. Linklater, Delpy e Hawke (os três assinam o roteiro) precisaram apenas de 15 dias e US$ 10 milhões (uma ninharia em se tratando de cinema) para contar a história de Céline e Jesse nove anos depois da noite de luar passada em Viena. Será que eles ficaram juntos? Será que casaram? Será que ambos se transformaram em pessoas totalmente diferentes uma da outra? Céline foi aos EUA? Jesse foi para a França? O que aconteceu com a vida de nosso casal romântico? Mais perguntas.

O argumento central de Antes do Pôr-do-Sol é simples. Jesse está em Paris, última escala da turnê de divulgação de seu novo livro, que conta a história de um rapaz que conhece uma francesa em um trem e passa uma noite inesquecível ao seu lado. Uma repórter, francesa, pergunta: "Essa noite aconteceu?". Ele responde. "Isso não importa". Ela insiste. "Mas aconteceu?". Ele reluta, mas confirma. Na pequena e charmosa livraria, em um canto, Céline observa a cena. O reencontro do casal põe fim a todas as perguntas acima, desde as críticas (sim, o diretor consegue reeditar a magia do primeiro filme) até as cinematográficas (não vou estragar o prazer de sua descoberta na sala de cinema, leitor).

Céline e Jesse caminham juntos, agora, pelas ruas de Paris. A câmera segue os dois protagonistas por uma das cidades mais belas do mundo. É possível, de cara, perceber que o tom da conversa mudou. Como diria outro, com 20 anos todo mundo quer mudar o mundo. Com 30, a gente reluta em mudar os móveis de lugar dentro de casa. Naturalmente, ao tom sonhador do primeiro filme são adicionadas as experiências dos protagonistas e uma certa melancolia. O filme se passa no tempo real de um passeio pela capital francesa, e tudo é centrado nos diálogos do casal. Em cerca de 80 minutos, Céline e Jesse relembram histórias da noite em Viena, desvendam o obscuro dos nove anos, exibem a mesma inocência (agora, claro, ferida pela amargura, afinal, viver é acumular tristezas) e conquistam o telespectador, impossibilitando o abandono da trama antes que ela seja concluída.

A rigor, por mais antagônico que pareça, Antes do Pôr-do-Sol é muito mais simples do que Antes do Amanhecer. A teoria reforça o antagonismo, pois é como se o diretor tivesse jogado a fábula romântica de seu primeiro filme dentro do liquidificador filosófico do desenho Waking Life, que, por sinal, traz o casal Céline e Jesse teorizando o mundo em uma cama. Porém, na prática, é um flagra do momento em que o amor caminha na linha fina da perfeição. É como se Linklater tivesse feito o primeiro filme como um simples objeto para chegar a este. O resultado é um filme tocante, comovente, sincero. Sobretudo, belo e simples, como o amor. Como o amor.

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