quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Ensaio 92

Era um dia quente, mas o vento bagunçava meus cabelos. O loiro se misturava aos raios de sol como que num êxtase frenético e inconsequente. E era como um bálsamo ao toque flamejante da pele minha. E, por um minuto, perdi a noção de quem eu era realmente.
Os olhos fechados, uma música perfeita lá longe, no obscuro da mente incessante com o vai-vem dos pensamentos repetitivos. Os porquês sem resposta. O caderno caído aos meus pés e aquelas fotos que eu não revelei ainda palpitavam o músculo. Aquele mesmo desgraçado músculo que me traiu todas as vezes em que pensei que estivesse no controle. Auto-controle.
O cheiro de grama cortada, o som das crianças brincando na rua, os velhos contando anedotas. Era como se eu jamais tivesse saído dali.
Não queria.
Permaneci.
E assinei assim minha própria sentença.
Condenei-me.
E segui ali, por uns míseros minutos, admirando aquele vídeo imaginário extraordinariamente feliz que me corrói por dentro, feito um câncer em estágio final, exagerando em hipérboles circulares tudo aquilo que um dia me permiti viver, mas não vivi.
O que corrói o ser alimenta a alma.
O que alimenta a alma, corrói o ser.
Quid me nutrit me destruit!
E o fino cordão de prata, aos poucos, perde os elos numa viagem sem volta.
Não te preocupas que me atormentas os sonhos assim, sem ao menos pedir licença e te vás como a mais fina névoa? Fui apenas escriba da tormenta de letras que se seguiram desde então... ou coisa pior.

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